Com a votação do Projeto de Lei 4330, veio à tona a discussão sobre a terceirização do trabalho. Atualmente, é permitido contratar mão de obra terceirizada apenas quando a atividade prestada pelo trabalhador é secundária, e não o fim da empresa.
O caso mais comum de terceirização é o dos serviços de limpeza, uma atividade fundamental pra manter qualquer instituição ou empresa, mas que não é o objetivo final da mesma.
O PL, cuja votação foi adiada mas segue em discussão e deve ser votado esta semana na Câmara dos Deputados, pretende liberar a contratação também para realizar a atividade-fim, ou seja, para qualquer função poderia haver a contratação terceirizada.
Nada disso é novo: o que estão tentando é legitimar e generalizar uma situação que já ocorre ilegalmente.
No caso dos Correios, os serviços de limpeza e linhas de transporte, que são atividades meio, já são terceirizados há muito tempo. Por outro lado, as áreas comerciais e operacionais ligadas aos serviços postais, seriam atividade-fim da empresa, e, portanto, até o momento, proibidas de serem terceirizadas. Mas, na prática, desde a década de 90 existem agências de Correios franqueadas, que nada mais são do que agências terceirizadas, com funcionários terceirizados. As atividades realizadas nessas agências são as mesmas das agências próprias, ou seja, a postagem de objetos para serem entregues pelos Correios. Mas os funcionários não têm os mesmos direitos, não recebem o mesmo salário e não têm a mesma estabilidade.
Um caso ainda mais emblemático de terceirização nos Correios, que certamente será generalizado se for aprovado o PL4330, é a existência da Mão de Obra Temporária, os chamados MOTs. São trabalhadores contratados para exercer a função de Carteiro ou Operador de Triagem e Transbordo exatamente da mesma forma que os efetivos, porém sem ter os mesmos direitos, e tendo os dias contados para sua demissão. Acumulam mais problemas de saúde, pois são coagidos a não faltar mesmo que tenham atestado médico, não têm acesso ao plano de saúde, e sequer recebem o mesmo treinamento para aprender a realizar a função.
Muitos setores se colocam agora contra o PL 4330, inclusive os sindicatos governistas, ligados à CUT e à CTB, por exemplo. O que está correto, pois este PL representa um enorme ataque a todos os trabalhadores, generalizando uma prática que leva a piores condições de trabalho, diminui ainda mais os salários que já estão corroídos pela inflação, e joga todos os trabalhadores na incerteza do emprego temporário.
Entretanto, o problema da terceirização das atividades-fim é só a “cereja do bolo”. Uma parcela enorme da classe trabalhadora já vive nessas condições, como o exemplo já citado da limpeza, e no transporte de cargas.
Em especial no caso da faxina, em que a maioria empregada é de mulheres negras, existe uma combinação da terceirização com a opressão, pois a limpeza é socialmente considerada um trabalho “inferior” e uma “obrigação das mulheres”. Por isso esse setor já vivencia o trabalho mais precário há muito tempo, com condições insalubres, lidando com materiais de limpeza de baixa qualidade, salários atrasados e praticamente sem benefícios.
Uma das razões pelas quais a terceirização implica sempre em piores condições de trabalho é a dificuldade desse setor se organizar e lutar por seus direitos. Tanto no caso dos MOTs, quanto da faxina, embora trabalhem para a ECT, esses trabalhadores não são representados pelos sindicatos dos ecetistas. Por não terem estabilidade, qualquer tentativa de mobilização contra as condições a que estão submetidos pode acabar em demissão. Isso divide os trabalhadores efetivos e os terceirizados, enfraquecendo toda a classe. É muito mais difícil barrar os ataques, como a privatização dos Correios, se os trabalhadores não se unificam para a luta, como se fossem categorias diferentes.
Fomos conversar com companheiros e companheiras terceirizadas dos Correios pra saber o que elas enfrentam. Falamos com *Maria (M), trabalhadora da limpeza, e *José (J), carteiro temporário, ambos de um Centro de Distribuição Domiciliária da Região Metropolitana de São Paulo.
Um dos problemas mais sofridos é relacionado a atraso de salário e férias. Como isso acontece?
M: Eles migram a gente pra outra empresa que vai contratar a gente novamente, e a gente é obrigada a assinar uma cartinha de demissão. As férias vencidas que a gente tem é obrigada a pagar o aviso prévio. Tem gente que tá cinco anos sem descanso, porque vai migrando para outra empresa e pagando o aviso prévio com as próprias férias.
Sobre salário, cesta básica, é normal, tem regularidade?
M: Não, a gente nem pode contar, porque é tudo em atraso, a maioria das vezes. Principalmente fim de ano, o décimo terceiro. No último ano recebemos no dia 24, não deu nem tempo de comprar nada.
O uniforme é completo?
M: Não, falta o calçado. Faz tempo que estou usando um meu.
No seu caso, como carteiro temporário, como são as condições de trabalho?
J:Tem algo que acontece diariamente que prejudica muito, que é a pressão pra dar conta do serviço no distrito e tal, que nos obriga, mesmo sabendo que não vai receber, a fazer hora extra todos os dias, seja uma hora, meia hora, uma hora e meia, sabendo que a gente não vai ganhar hora extra. Pressão vem das chefias e tal. Isso prejudica porque a gente fica com medo de ser demitido, como já aconteceu com uma MOT que não deu conta do trabalho. O MOT entra, não tem treinamento adequado, às vezes a própria chefia não entende a função e o trabalhador não consegue realizar bem o trabalho.
E o salário?
J: Desde que eu entrei no correio já me avisaram que é comum atrasar. Já atrasou alguns dias. O depósito vem fracionado, o que dificulta o acompanhamento. Já tentei ver o holerite pela internet e não consegui. Conversei com outros MOTs e nenhum nunca conseguiu ver. Isso prejudica o trabalhador. Parece que é intencional da empresa. Outra coisa é a gente não receber uniforme, só o colete azul. A população fica desconfiada e a gente fica diferenciado dos outros carteiros.
Vocês recebem benefícios, como vale transporte?
J: Ele não é pago de acordo com o trajeto que a gente faz, e inclusive no dia da contratação a mulher da contratação, a moça que tava fazendo a entrevista e tal, disse que de fato o pagamento tava errado porque tava calculado de acordo com tarifa de 3 reais, mas que a gente tinha que fazer a escolha, ou tirava um pouco do próprio bolso ou ficava sem emprego.
* Os nomes foram trocados para preservar os trabalhadores.
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